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Do Editor Associação Musical Amor a Pátria A Cidade Jaguaruna
Do Editor

A musicalidade brasileira avessa ao colonialismo estrangeiro

As origens de nossa musica ainda deverão ser muito estudadas. Como surgiu, como se desenvolveu e, principalmente, por que perdeu espaço em seu próprio país são questões que deverão ser amplamente investigadas e discutidas . Analisando nossos instrumentos musicais utilizados por diferentes gerações, percebemos a influência direta dos estilos praticados lá fora à troca dos nossos, como o cavaquinho pelo banjo, o pandeiro pela bateria, o violão pela guitarra e muitos outros que foram quase substituídos, e os instrumentos que permaneceram de algum modo em execução sofreram desgastada transformação de sua originalidade.

Durante as últimas décadas a música brasileira tem sido rebaixada à categoria de sub-música, sendo raras as produções que aparecem na vitrine nacional onde as poderosas televisões, seguidas pelas rádios e produções multinacionais, determinam pelo seu grande poder midiático o que se deve ver e ouvir. Não há qualquer controle sobre isto de quem deveria fazê-lo - o Ministério da Cultura - e este sistema é considerado despretensioso, age livre, e por incrível que pareça ainda tem cara e tom de “moderno e democrático”. A cultura estrangeira está tão arraigada em nossas vidas, que não percebemos o bombardeio ideológico que diariamente entra em nossas casas. O discernimento do certo ou errado confunde o julgamento: a auto-estima e a sanidade mental e moral do brasileiro ficam afetados, subvertendo-os e amordaçando seu senso crítico modificado.

É o negócio da música uma das melhores armas da “exploração” internacional, porque remete nossa auto-estima aos degraus mais baixos, e isto tudo sob o epíteto de moderno e com roupagem universal segue livremente seu envenenamento no país. A imposição da música de forma ditatorial, contida nesta falsa fachada de liberdade que nos é apresentada não inibe a atual produção e o valioso acervo da música brasileira de ontem e de hoje, sendo esta a mola propulsora da forma consciente de nossa resistência, até que atos do governo se constituam para se opor a esta “guerra branca” que possui bombas de efeito moral que atingem massivamente toda nossa cultura nacional.

Músicos brasileiros consagrados já fizeram seu papel. Cada um em sua época, artistas manifestaram em sã consciência patriótica a preocupação musical pela “invasão” estrangeira.

O compositor baiano Ary Barroso foi duramente criticado pela elite musical brasileira quando em época getulista fez a mundialmente famosa “Aquarela do Brasil”, e ao se juntar a movimentos de “exaltação à pátria”. No período de início dos avanços pelas transformações sociais e estruturais no Brasil, o governo nacionalista de Getúlio Vargas – considerado “ditador” e populista – arrastava multidões comprometendo artistas e intelectuais a se envolverem inevitavelmente no clamor das vitórias populares, que eram de conquistas sociais mais acentuadas em favor das classes mais pobres e que se tornaram importantes até os dias de hoje: Rádio Nacional – que concentrou a vanguarda musical em diferentes épocas – a Petrobrás, a obrigatoriedade da carteira de trabalho, ferrovias, e muitas estatizações. O que levaria um artista a criar uma música com tamanha brasilidade senão o momento revolucionário, anti-estrangeiro e anti-estadunidense da época ?

Barroso fez muitas contestações e nesse gancho do forte nacionalismo da época soube fazer auto-crítica, reconhecendo ele próprio sua adesão ao jazz e assumindo ser ele também vítima do que chamava de “joça estrangeira” e ainda que por influência também modificou seu dedilhado e forma de tocar piano que teria sofrido profundas mudanças.

Nesta época houve plenas condições para inclusive ocorrer o florescimento da legitimação de nossa verdadeira música, citando somente o exemplo de Villa Lobos que encontrou amplo terreno para desenvolver sua premissa musical, viajando pelo país, recriando e pesquisando temas regionais contidos no povo simples das vilas e bairros das cidades brasileiras.

Temos que manter o samba, que é a mais legitima expressão de nossa música popular, no lugar merecido como só o brasileiro sabe fazer. Nossos numerosos e variados estilos regionais de música representam este enorme país, e necessitam de urgente socorro e resgate.

Porém é o choro, sendo o mais “fino” do samba, consagrado por sua forte presença rítmica, uma vez que para isso teve-se que acrescentar a sétima corda ao violão, fazendo-o com mais requinte e erudição e como forma contrapontística. O choro tem ricas qualidades que emergiram de seu perfil popular, de berço humilde do sofrido povo das favelas e dos discriminados bairros urbanos. Foi nesse ambiente que se desenvolveu o ritmo que sustenta a melodia, deixando o que só possui unicamente neste gênero, a mágica e espirituosa combinação de sentimentos: tristeza e alegria ao mesmo tempo.

Aqui se faz este registro do anti- Jazz que foi no passado recente o que pode ser nos dias atuais o anti-rock, não para condenar o gênero musical, mas sim como uma necessidade absoluta de termos um noção realista de que os níveis de sobreposição estrangeira não são apenas econômicos, mas também musicais e culturais. Tudo vira mercado e negócio, e principalmente vem agregado com conteúdos de dominação ideológica de um império mundial e internacional. Temos de ter muito claro o conteúdo desta banalização, desta realidade musical desigual, desumana e de completa irracionalidade.

Este editor em sua juventude já foi “cabeça feita” do rock. Hoje os filhos ainda muito jovens têm seus estilos: dançam street dance e tocam em sofisticadas guitarras e acessórios eletrônicos. Estão na música se encaminhando e aprendendo. Porém existe uma gama de músicos muito jovens em nosso Brasil que se converteram ao campo popular e erudito. Os queremos por perto e cientes de que não somos os donos da verdade procuramos criar um diálogo franco sobre esta experiência, e oferecemos-lhes também espaço nesta página porque temos pela música horizontes parecidos. De um modo ou de outro este projeto busca contextualizar nas diferentes realidades um entendimento consciente destas manifestações. Ele deve funcionar como uma tribuna de debates e troca de experiências, sendo aqui a rebeldia vista como simples rotina de trabalho. Deste modo, a polêmica acrescenta rumos e conteúdos para desenvolver , direcionando mais cedo talentosas e saudáveis gerações.

Felicitamos a banda musical “Amor à Pátria”, que heroicamente sobreviveu desde sua fundação em 1918 mantendo e divulgando nossa música brasileira. E saudamos com este projeto a quem venha buscar historicamente a verdadeira situação de nossa música, registrando desta maneira, o que de outra forma seria fantasiosa ou leviana. Nossa posição na musicalidade brasileira é avessa ao colonialismo estrangeiro, porque temos a compreensão de que nossa música nunca foi inferior a qualquer outra , e deve ocupar o espaço que lhe cabe no país a que pertence.

Agradecemos aos presentes: a Sra. Suzana Felipp, diretora de Cultura que está aqui representando o Prefeito Municipal, ao maestro e compositor vitalício da Banda “O Jaguarunense” João Gustavo Garcia, o qual gentilmente presenteou nosso projeto com um CD contendo registros de alguns de seus valiosos dobrados regionais com a Banda “Lira Tubaronense” e ao maestro da Banda “Amor à Pátria” Marcos Valicura. Agradecemos também a presença de Maria Marsuleide Porto, da Rádio Comunitária Sambaqui, ao secretário da Banda “Amor à Pátria” Sandro Duarte, aos músicos da família Porto descendentes de São Joaquim, ao saxofonista Adílio Boaventura Luiz, que organizou este evento, e a todos estes maravilhosos músicos aqui presentes. Almejamos que o futuro que vimos hoje em seus olhos ávidos e brilhantes seja promissor e que com a responsabilidade cidadã estes se igualem às vibrantes cores de nossa bandeira brasileira. Jaguaruna (SC), 25 de Janeiro de 2009.

Rogério Pfützenreuter

Associação Musical Amor a Pátria

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