Depoimentos
Carta Resposta de Rui ao Avô Otto Olivio de Lorenzi Cancelier - Recordando o passado
Carta Resposta de Rui ao Avô Otto
Porto Alegre, em 18 de maio de 1964
Estimado avô Otto

Sensibilizado com o recebimento de vossa carta, e honrado com suas palavras confortantes e estimuladoras, busco agora respondê-la a altura do respeito que possuo por vós.

Sem exagerar devo dizer ao meu avô que aquela compreensão e simplicidade em sua missiva, não são adquiridas tão facilmente. São resultados de convicções pessoais e de íntegra personalidade obtidas pelo indivíduo – nas circunstâncias e no controle de sua índole – e eu, por mais estudos que obtenha, dificilmente alcançarei esta posição de invejável simplicidade, compreensão e personalidade, tão nítidas no comportamento do meu avô, dos quais me ufano e vanglorio.

Meu avô, nós nos encontramos em duas posições diferentes atualmente, impulsionados pela situação histórica do meu e do vosso momento. De vosso lado tudo é paz: as armas foram recolhidas, as tensões vencidas, os obstáculos transpostos, o caminho percorrido, missão cumprida. A geração que o senhor simboliza venceu e está realizada. Se formos medir vossa vida – cujo padrão e o cumprimento dos deveres foram exigidos pela história – constataremos e provaremos a afirmação de que as tarefas foram cumpridas. O senhor já ultrapassou o último ponto que o padrão comparativo pode medir. Do outro lado estou eu, o neto do avô que se realizou. Impõe-me agora o cumprimento do meu dever no momento histórico: desempenhar as missões reclamadas pelas necessidades da presente sociedade. Qual é o meu dever?

Seria ignorância minha falar que o meu dever é diferente do dever que foi cumprido pelo senhor. Mas, no entanto, existe uma diferença. Para o sustento de seus filhos, meu pai e tios, o senhor trabalhou e esmerou-se com muito sacrifício para, além de transmitir vossos conhecimentos e experiência, conseguir dar um estudo no máximo de primário, do elementar. Já os seus filhos, graças aos ensinamentos herdados, puderam dar aos seus filhos a distinção do ensino mais avançado. Hoje, quando tributo homenagens aos que permitiram esta posição que atualmente ocupo, não posso esquecer meus avós. Foram eles que construíram a primeira pedra, deram a primeira caminhada. Quantos sacrifícios, quanta gente deu duro para que hoje desfrutasse do privilégio de cursar o ensino superior, freqüentar a universidade. E, meu avô, são pouquíssimos os jovens que atingem as faculdades. Raros são os estudantes que serão universitários. Não que deva ser assim, universidade só para filhos de gente de bem, mas é porque está tudo errado no ensino. Veja só meu avô: quem são os filhos de Orleans que gozam do ensino universitário? Na nossa família sou um dos poucos. E os filhos dos marceneiros, dos empregados, dos alfaiates, dos pobres mineiros? Que responsabilidade a minha: estou representando milhares de jovens orleanenses que me aguardam, esperando de mim a colocação dos meus conhecimentos aos serviços da coletividade. Essa minha retribuição, aos operários e agricultores que sustentam o ensino gratuito da universidade, aumenta muito mais quando me vejo dentro do curso de Jornalismo e de Sociologia e Política. Não permita a minha consciência honesta que as minhas atividades após o término dos cursos universitários estejam voltados só para mim. Não seria jogar tudo fora, queimar o repertório de bens comuns que o senhor, meu pai e meus contemporâneos me ajudaram e ergueram até o máximo de suas possibilidades? Na hora difícil da política brasileira estou trabalhando, fiel a minha responsabilidade. No futuro, a juventude que viverá integralmente a moralidade de uma existência social, saberá agradecer a resignação, as perseguições, os sacrifícios que a juventude de hoje experimenta com cabeça erguida para permitir que a do futuro viverá melhor.

Por isso, meus avós, sempre reconhecerei o vosso papel e em todas as oportunidades agradecerei com muito amor e sacrifícios que vocês todos fizeram para nós, para a juventude presente. A nossa retribuição é o nosso próprio esforço para a feliz continuidade das juventudes futuras, das novas gerações da posteridade.

Finalizando aproveito para enviar abraços aos demais parentes, ao tio Paulo, tio Pompílio, tia Nelly, tia Emília, aos primos e amigos.

Com suas bênçãos, despeço-me
(ass) Rui.
Olivio de Lorenzi Cancelier - Recordando o passado

RECORDANDO O PASSADO

Quem for ao Cartório de Registro Civil em Orleans, para tirar uma certidão de qualquer casamento realizado a partir de sessenta anos atrás e durante os trinta anos subseqüentes, haverá de deparar, na mesma certidão os dizeres: “matrimônio de fulano e fulana contraído perante o Juiz de Paz Otto Pfützenreuter e as testemunhas fulano e fulano”. Mas, poucas pessoas com menos de trinta anos de idade sabem quem foi Otto Pfützenreuter. E foi justamente por esta razão que resolvi escrever estas linhas a fim de registrar, resumidamente, os dados biográficos deste cidadão orleanense, valendo-me de informações que me foram prestadas por seu filho Osvaldo (Vadico) e de fatos que são do meu conhecimento por tê-los presenciado por mais de trinta anos.

Otto Pfützenreuter nasceu na cidade de Joinville, SC, em 5 de junho de 1883, era filho de Henrique Felipe Pfützenreuter e de Margarida Koebler Pfützenreuter, estes, imigrantes procedentes da Alemanha. Tendo ficado órfão de pai e mãe aos oito anos de idade, foi criado por uma tia, irmã de seu falecido pai, chamada Emilia Pfützenreuter Moelmann, que era viúva e que posteriormente casou com o professor Francisco Bonifácia da Trindade Pereira Maia. Conhecia Orleans desde 1893. Em 1908, sendo empregado da firma Moelmann & Cia. de Florianópolis, e o professor Maia, que lecionava em Orleans, teve necessidade de se afastar e seguir para o Rio de Janeiro a fim de se submeter a tratamento de saúde, Otto foi indicado para substituí-lo. Lecionou também como professor particular durante algum tempo. Mais tarde deixou o magistério e estabeleceu-se em Orleans com casa comercial de fazendas e gêneros alimentícios. Exerceu o cargo de Chefe Escolar (equivalente ao de Inspetor, mas sem remuneração), sendo nomeado para esse cargo pelo Dr. Antonio Bulcão Viana em 21 de junho de 1926. Viajava a cavalo, em época de exame nas escolas, no interior do município de Orleans que naquele tempo abrangia também Grão Pará e Lauro Muller, às vezes acompanhado do Inspetor Escolar que vinha de Florianópolis. Exerceu o cargo de Juiz de Paz por muitos anos e em várias oportunidades, o cargo de Juiz de Direito substituto. Em 1936 foi eleito prefeito municipal de Orleans, permanecendo à frente da administração orleanense até o fim de 1937, quando foi exonerado em virtude de ter sido implantado no Brasil o chamado “Estado Novo”. Durante seu mandato como prefeito de Orleans realizou vários melhoramentos de vulto, dentre os quais implantação e inauguração da rede de iluminação elétrica da cidade e a contratação da construção do Hospital Municipal de Orleans pela importância de 96;000$000 (noventa e seis contos). Possuía diplomas de sócio Benemérito do Clube 14 de Junho, do Clube União Orleanense, de Sócio Honorário do Centro Catarinense do Rio Grande do Sul em Porto Alegre e de Vereador de Orleans. Era casado com Dona Ermelina Minatti Pfützenreuter, com a qual teve os seguintes filhos: Paulo (falecido) que foi funcionário da Prefeitura de Orleans durante trinta anos; Osvaldo, funcionário público federal aposentado; Emília, funcionária estadual; Oscar (falecido); Nelly, Carmen e Rute.

Otto Pfützenreuter possuía regular cultura e além do português falava, lia e escrevia também em alemão e era perfeito calígrafo pelo que se pode constatar de documentos e de sua correspondência. Como Juiz de Paz era de espírito Conciliador, aconselhando e promovendo sempre o apaziguamento. Pena é que esteja relegado ao esquecimento, enquanto outros que nem eram daqui e por aqui só passaram fugazmente, nada tendo a ver com a vida, a tradição e a história desta terra, estão sendo lembrados e homenageados.

Faleceu em 26/02/1965.

Olívio de Lorenzi Cancelier

(Fonte: FOLHA DA SEMANA, de 31/05/1980)

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